terça-feira, 16 de junho de 2015

O mundo não é seu espelho.

30 anos atrás a classe média não tinha celular, nem computador, nem telefone sem fio, nem controle remoto. Nunca se viu tanto avanço tecnológico em tão pouco tempo. Muita coisa melhorou, e bastante, mas muitos conceitos de mais de 2 mil anos de idade vão ter que ser revistos para que a nova sociedade, "global" (explico as aspas depois), interconectada, possa funcionar em sua melhor forma.

1. A noção de moral precisa mudar. Urgentemente.
O que há muitas e muitas centenas de anos consideramos moral é amplamente baseado na moral religiosa. Por isso tanto ódio, tanta intolerância, porque as religiões são, em sua maioria, dogmáticas. Trechos da bíblia são citados, como se ela fosse um documento legal que rege a vida de toda a humanidade. Já chegou bem perto disso um dia, mas não é mais. A nova moral deve ser unicamente social, ou seja, o que é contra a lei e o que não é devem ser as únicas regras impostas ao ser social.

2. A mídia precisa se encontrar.
Uma crise gerou a outra. A tecnologia abriu espaço para novos meios de comunicação, o que derrubou a rentabilidade dos meios existentes gerando uma diminuição drástica de recursos e equipes. Esse movimento acabou derrubando também a qualidade do que se publica. Nesse ínterim, esses mesmos meios se "adaptaram" e, passada a fase da reestruturação, perceberam que, para sobreviver, tinham que abraçar também os novos canais. Isso gerou a segunda crise, a de conteúdo. Temos hoje conglomerados atirando material para todo lado com uma qualidade horrorosa. Primeiro, cada meio vai ter que encontrar sua própria identidade e não ficar ecoando o mesmo material (ruim) gerado por uma equipe sobrecarregada. Segundo, equipes muito mais especializadas terão que ser "recriadas" para gerar conteúdo relevante e garantir o lugar de cada tipo de meio (impresso, tv, digital, cabo, mobile etc). Só depois disso tudo pode-se pensar em menos sensacionalismo que, inclusive, tem uma influência gigantesca na resolução do problema 1.

3. A política precisa virar profissão regulamentada, como qualquer outra.
Não é revisando detalhes ou mudando algumas regras de um sistema podre que ele vai mudar. As bases precisam de revisão urgente! Por que qualquer cidadão comum precisa fazer 4 anos de faculdade para ser considerado em posições muito menos importantes? Por que político não é tratado como um trabalhador comum? Por que eles tem qualquer tipo de acesso às regulamentações de seus cargos e salários? Adianta o quê ser um cargo eleito se ninguém mais tem nenhum tipo de influência nas outras características da posição? As exigências precisam aumentar, assim como as responsabilidades. Elas deveriam ser as mesmas sob as quais qualquer cidadão trabalhador vive nas empresas.

4. As pessoas precisam entender a diferença entre informação e opinião.
Não é porque existem canais nos quais qualquer pessoa pode se expressar que o que todo mundo tem a dizer ganhou importância. Se o que uma pessoa diz não é embasado, ou no mínimo bem informado, não passa de opinião. E opinião, cada um tem a sua, sem qualquer obrigatoriedade com a verdade. Isso é fundamental, e não deve nunca ser esquecido. A reverberação de bobagens sem fundamento, repetidas e compartilhadas à exaustão, por pessoas que não se dão ao trabalho de verificar se há qualquer fundamento na "notícia", está emburrecendo o povo cada vez mais. E está transformando as redes sociais em paródias perigosíssimas da vida real.

5. A globalização real está muito distante ainda.
Algo acontece do outro lado do planeta e eu fico sabendo imediatamente. Isso não é exatamente globalização. Temos acesso ao mundo de uma forma nunca antes experimentada e uma das maiores vantagens é não sermos mais vítimas de visões distorcidas de segunda ou terceira mão, por mais bem intencionadas que fossem. Porém, muita gente está acreditando que esse acesso todo significa que se sabe do outro e que estamos ficando todos iguais (ou que deveríamos ficar, pior ainda). Um exemplo claro são "abaixo-assinados" virtuais contra ameaças locais, que rodam o mundo, com gente "aderindo" sem nem saber do que se trata, ou comportamentos culturais dos quais nada se sabe fora da região. Isso quando os documentos são verdadeiros, ou mesmo reais. Ainda há que se entender exatamente o que a globalização está permitindo. É uma chance extraordinária de se conhecer e perceber as inúmeras diferenças entre povos, pessoas e culturas para que se possa respeitá-las cada vez mais.

O mundo não é seu espelho, nem é o espelho.
O mundo é um espelho.




terça-feira, 2 de junho de 2015

The Jenner effect.

Ok, então Bruce virou Caitlyn. E como tudo que bomba nas redes sociais, está entupindo timelines com "contras", "a favor", "sei lá" e "onde o mundo vai parar?"... As reações são bastante adversas e é um pouco difícil não sentir uma certa estranheza afinal, a ex "ele" foi casada com mulheres e tem filhos.
Dito isto, Bruce Jenner faz parte de uma fatia de indivíduos que vai se tornar cada vez mais rara. Não porque os transgêneros diminuirão, aparentemente esses números só aumentam, mas porque as mudanças tão rápidas pelas quais a sociedade está passando nos últimos 20 anos não irão mais criar personagens como ele (ela).
Se lembrarmos que há menos de 50 anos ainda se "tratava" homossexualidade de formas bárbaras, podemos entender o que parece ser um fenômeno LGBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) como nunca antes visto nos anais (no pun inteded...) da história.
Muito pouca coisa mudou, na verdade. Gays, trans e todas as variações são pessoas que sempre nasceram assim, e continuam nascendo assim. O que vem mudando é a visibilidade, o conhecimento, a tolerância. Essa última ainda precisa de muito ajuste, admito, mas deem um desconto para qualquer geração acima de 40 anos (e mesmo uma fatia grande de gente mais jovem). Esse pessoal foi criado com valores baseados principalmente na moral cristã, e mesmo que fosse outra a religião, elas todas ditavam muito do que se considerava apropriado na vida de qualquer pessoa. Os dogmas, quase todos desfavoráveis a qualquer "desvio" da família tradicional composta de homem, mulher e filhos concebidos no casamento, são parte de quem essas pessoas são, e imagino como seja difícil para elas entender o que está acontecendo.
O que me traz de volta a Jenner. Claro que a transformação causa estranheza. Mas homens e mulheres obrigados a passar a maior parte da vida vivendo uma mentira serão cada vez mais raros, e essa é a parte boa. Nos acostumamos com a versão homem dele e por isso a capa da Vanity Fair parece tão bizarra para a maioria. Jenner só se casou e teve filhos porque a sociedade em que ele cresceu não aceitava outra coisa. Pode ser bem complicado para esses filhos, mas muito em breve não existirão mais filhos passando por esse tipo de situação. Assim como pais e mães de qualquer inclinação estão cada vez mais aptos a entenderem filhos que se percebam gays, trans etc.
Tenho 37 anos e me considero parte de uma geração de transição em tantos aspectos que não sei como consigo manter a sanidade... (hehehehehe). Sou uma das últimas faixas etárias a vir de "não tinha nada" (em casa era telefone e TV, colorida mas sem controle remoto, e só), para tem tudo (telefone, celular, TV à cabo, internet, smartphone, wi-fi, bluetooth, cartão de débito, MP3, 3G, 4G e mais um milhão de coisas). Parece que tudo isso sempre esteve por aí, mas essas mudanças são muito recentes e, mesmo jovem, eu vi a maioria delas surgir e se firmar.
Só para se ter uma ideia, o primeiro cartão de crédito do Brasil foi o Diners que só começou a "circular" em 1968. Já o cartão magnético para contas bancárias é ainda mais novo, foi criado pelo Bradesco em 1981! Antes disso, tinha que ir ao banco sacar dinheiro. Na boca do caixa. Por isso o sistema que mais se usava era o cheque. Eu mesma tive talão antes de ter cartão. E digo mais, eu já estava no ginásio quando a ditadura acabou no Brasil. (a velha! :D)
Estou escrevendo tudo isso porque a intolerância está gerando intolerância do outro lado também. Os "esclarecidos" fulos da vida com os "retrógrados", estão se portando de forma cada vez mais agressiva. E isso nem é uma questão de idade, mas de criação e índole. Valores são formados muito cedo e é bem difícil mudá-los. Por ter tido a chance de optar entre seguir uma religião ou não (optei pelo não) sempre achei quase tudo normal e gosto de pensar que sou uma pessoa sem preconceitos desse tipo. Mas tive os dois exemplos em casa. Minha mãe era mais liberal, sempre frequentou a noite e tinha amigos gays. Meu pai era homofóbico, machista e preconceituoso. Ambos estariam com menos de 65 anos hoje, bem jovens. Também não é questão de inteligência racional, quem tinha o diploma era ele, não ela. É tudo muito mais complicado que isso.
Então, antes de explodir em intolerância com os intolerantes, tente dar uma colher de chá. Aposto que muitos deles estão fazendo uma força danada para entender, e aceitar, o que está acontecendo. Só que não estão fazendo alarde em relação a isso.