terça-feira, 2 de junho de 2015

The Jenner effect.

Ok, então Bruce virou Caitlyn. E como tudo que bomba nas redes sociais, está entupindo timelines com "contras", "a favor", "sei lá" e "onde o mundo vai parar?"... As reações são bastante adversas e é um pouco difícil não sentir uma certa estranheza afinal, a ex "ele" foi casada com mulheres e tem filhos.
Dito isto, Bruce Jenner faz parte de uma fatia de indivíduos que vai se tornar cada vez mais rara. Não porque os transgêneros diminuirão, aparentemente esses números só aumentam, mas porque as mudanças tão rápidas pelas quais a sociedade está passando nos últimos 20 anos não irão mais criar personagens como ele (ela).
Se lembrarmos que há menos de 50 anos ainda se "tratava" homossexualidade de formas bárbaras, podemos entender o que parece ser um fenômeno LGBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) como nunca antes visto nos anais (no pun inteded...) da história.
Muito pouca coisa mudou, na verdade. Gays, trans e todas as variações são pessoas que sempre nasceram assim, e continuam nascendo assim. O que vem mudando é a visibilidade, o conhecimento, a tolerância. Essa última ainda precisa de muito ajuste, admito, mas deem um desconto para qualquer geração acima de 40 anos (e mesmo uma fatia grande de gente mais jovem). Esse pessoal foi criado com valores baseados principalmente na moral cristã, e mesmo que fosse outra a religião, elas todas ditavam muito do que se considerava apropriado na vida de qualquer pessoa. Os dogmas, quase todos desfavoráveis a qualquer "desvio" da família tradicional composta de homem, mulher e filhos concebidos no casamento, são parte de quem essas pessoas são, e imagino como seja difícil para elas entender o que está acontecendo.
O que me traz de volta a Jenner. Claro que a transformação causa estranheza. Mas homens e mulheres obrigados a passar a maior parte da vida vivendo uma mentira serão cada vez mais raros, e essa é a parte boa. Nos acostumamos com a versão homem dele e por isso a capa da Vanity Fair parece tão bizarra para a maioria. Jenner só se casou e teve filhos porque a sociedade em que ele cresceu não aceitava outra coisa. Pode ser bem complicado para esses filhos, mas muito em breve não existirão mais filhos passando por esse tipo de situação. Assim como pais e mães de qualquer inclinação estão cada vez mais aptos a entenderem filhos que se percebam gays, trans etc.
Tenho 37 anos e me considero parte de uma geração de transição em tantos aspectos que não sei como consigo manter a sanidade... (hehehehehe). Sou uma das últimas faixas etárias a vir de "não tinha nada" (em casa era telefone e TV, colorida mas sem controle remoto, e só), para tem tudo (telefone, celular, TV à cabo, internet, smartphone, wi-fi, bluetooth, cartão de débito, MP3, 3G, 4G e mais um milhão de coisas). Parece que tudo isso sempre esteve por aí, mas essas mudanças são muito recentes e, mesmo jovem, eu vi a maioria delas surgir e se firmar.
Só para se ter uma ideia, o primeiro cartão de crédito do Brasil foi o Diners que só começou a "circular" em 1968. Já o cartão magnético para contas bancárias é ainda mais novo, foi criado pelo Bradesco em 1981! Antes disso, tinha que ir ao banco sacar dinheiro. Na boca do caixa. Por isso o sistema que mais se usava era o cheque. Eu mesma tive talão antes de ter cartão. E digo mais, eu já estava no ginásio quando a ditadura acabou no Brasil. (a velha! :D)
Estou escrevendo tudo isso porque a intolerância está gerando intolerância do outro lado também. Os "esclarecidos" fulos da vida com os "retrógrados", estão se portando de forma cada vez mais agressiva. E isso nem é uma questão de idade, mas de criação e índole. Valores são formados muito cedo e é bem difícil mudá-los. Por ter tido a chance de optar entre seguir uma religião ou não (optei pelo não) sempre achei quase tudo normal e gosto de pensar que sou uma pessoa sem preconceitos desse tipo. Mas tive os dois exemplos em casa. Minha mãe era mais liberal, sempre frequentou a noite e tinha amigos gays. Meu pai era homofóbico, machista e preconceituoso. Ambos estariam com menos de 65 anos hoje, bem jovens. Também não é questão de inteligência racional, quem tinha o diploma era ele, não ela. É tudo muito mais complicado que isso.
Então, antes de explodir em intolerância com os intolerantes, tente dar uma colher de chá. Aposto que muitos deles estão fazendo uma força danada para entender, e aceitar, o que está acontecendo. Só que não estão fazendo alarde em relação a isso.

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