terça-feira, 26 de maio de 2015

De Ressaca (Luis Fernando Veríssimo)

"Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo.
Cada porre era um desafio ao céu e às suas feras. E elas vinham: Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais - as golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconseqüentes, literalmente. Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre a cuba-libre e o meu instinto de autopreservação. A cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos me lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte.
Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos trinta, "nunca mais" dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que a cuba-libre fez com meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem.
Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num copo de água, engolia o Alka-Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama. Mas os métodos variavam.
Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber - O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida - O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.
Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta - Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca ficava um bloody-mary, mas isto era para mais tarde um pouco.
Sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene - Misturava-se tudo num prato pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés na direção da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.
Uma cerveja bem gelada na hora de acordar - Por alguma razão o método mais popular.
Canja - Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar. No entanto, muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham de ser socorridos às pressas antes do afogamento.
Minha experiência maior era com a cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era paraguaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito's em Assunção.
A pior ressaca era de gim.
Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quando abria o outro, o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.
Ressaca de martini doce: você ia se levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava a sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia.
Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar a garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.
Ressaca de cachaça. Você acordava sem saber como, de pé num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto.
Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Peter Pan e estava piscando para você.
Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia.
Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos estavam tentando arrombar a sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.
Hoje não existe mais isto. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem-dispostas e fazem até piadas a respeito.
De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e o nosso heroísmo anônimo.
Estivemos no inferno e voltamos, inteiros.
Um brinde.
E um Engov."

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Etiqueta não é coisa de deus!!!

Vamo lá... Tem coisa mais infeliz, do tipo "quem foi que teve uma ideia de jerico dessas?", do que etiqueta?

Qualquer uma que vem costurada na roupa pinica. Não incomoda, simplesmente. Pinica! O incômodo mais incômodo de todos!!! Aí você vai tirar a danada. Se você corta com a tesoura, só piora a situação, pinica mais ainda. Lá em casa o nome disso é "filhinhos" da etiqueta. Ela vai, mas deixa os filhinhos para fazer o trabalho dela.
Se você resolve tirar na costura, ou leva 10 anos para você conseguir sem estragar a roupa (isso com a ferramenta certa, que é aquela tesourinha minúscula de cortar unha de neném, e na luz certa que é ao ar livre num dia ensolarado antes das 16h), ou você corta junto a roupa novinha...

Etiqueta de colar é outro drama. Colada direto na roupa (o que é bem raro hoje em dia) puxa fio e dá uma deformada quando a gente descola. Isso quando não sobra cola na roupa, aquela melequinha no tecido. Mas quando a etiqueta está colada em plásticos ou outros materiais rígidos, ela nunca mais vai descolar daquela coisa. Tirar o preço do DVD que você vai dar de presente? Sem chance! Melhor mergulhar a embalagem toda em tinta preta. E etiqueta de copo? Aquela bem pequena no fundo? Ou etiqueta de vidro de condimento que você quer tirar para usar o vidro limpinho depois? Tem que amolecer na água, esfregar e quando a esponja de louça tira tudo do vidro aonde foi parar a etiqueta? Colada na esponja!!! Todos os seus pedacinhos amolecidos, de um jeito que toda a sua louça terá resquícios de cola por um bom tempo. E tenta tirar para você ver. Duas semanas depois ainda tem tequinho colado no fundo da pia. Mas a pior de todas é a etiqueta no tuperware. O plástico é mais poroso, sei lá, o bicho já tá amarelo pelos anos de uso e o restinho da etiqueta tá lá na parte de baixo, firme, forte e cinza! Mas tá lá...

Ainda no tópico "etiquetas autocolantes" já tentou imprimir etiqueta numa jato de tinta comum? Já? Usando o "código" no word? Já? Já?

Então nem preciso falar nada...

Por último, agora que eu tenho loja de roupa e preciso colocar minhas tags em tudo que chega (a tag é a etiqueta de papel cartão que fica presa por aqueles plastiquinhos que a gente tenta arrancar quando chega em casa e estraga a roupa, ou machuca os dedos, e aí resolve pegar a tesoura), e posso dizer que elas não são melhores. A tag em si não incomoda muito (enrosca no tricot e puxa fio toda hora, mas só se a gente não for cuidadoso). Mas os plastiquinhos... Aquela pistola de colocar tag + plastiquinho na roupa é a coisa mais temperamental que inventaram! Só funciona quando quer e como quer. É mais temperamental que a minha gata! E ai de você se não tomar cuidado, a agulha daquela coisa te fura o dedo grandão. Porque ela é enorme. Machuca. Sangra, sabe? Para amenizar estou usando plastiquinho auto encaixável. Há!

O Wi-Fi vai acabar livrando a gente dos fios (amém nóis tudo!). Mas quem há de nos livrar das etiquetas?





sexta-feira, 8 de maio de 2015

Ser mãe...

Em vésperas de dias das mães, sempre acabo me lembrando da minha, e da relação difícil que tivemos. Apesar de não ser má pessoa, minha mãe maltratou quase todos aqueles que a amavam. À sua maneira, ela acreditava em coisas que eram extremamente nocivas para essas pessoas. E ela levou a vida assim, minando todos os seus relacionamentos, até sua morte extremamente prematura, de câncer. Minha mãe tinha 53 anos.
Convivi com ela quase 30, e muito aprendi sobre a natureza das relações humanas. Eu não gostava da minha mãe. Foram mais de 20 anos e dois terapeutas para eu chegar a essa conclusão. Eu não gostava da minha mãe como pessoa. E aprendi também que isso é perfeitamente normal. Muita gente me olha com "aquela" cara quando eu falo isso, mas infelizmente, minha mãe era um ser social como todos nós e eu, como outro ser social, com minhas crenças e preferências, não tenho obrigação nenhuma de gostar de ninguém.

"Mas é sua mãe!"

E daí? Estando do lado de cá de uma relação mãe e filha bem complexa, eu falo para todas as minha amigas que estão tendo filhos: cuide dele, mas cuide da relação de vocês mais que tudo. Essa criança não tem obrigação nenhuma de te amar, não importa quantas horas de parto você passou. Essa escolha foi sua, não dela.
Pode parecer estranho, duro ou frio, mas muita mãe por aí - que está loucamente espalhando mensagens bonitinhas e engraçadinhas para que ninguém esqueça que elas têm direito ao seu lugar no panteão das "santas" -  não sabem o que estão fazendo, criam filhos de forma egoísta e vão ter grandes problemas lá na frente. Porque se esquecem que se tornaram mães para satisfazer um desejo pessoal, e que ninguém deve nada a elas por causa disso.
Carinho se ensina, empatia se conquista, até gratidão pode ser cultivada. O relacionamento que você vai ter com seu filho, nunca se esqueça, depende primeiro de você. E mais importante que as decisões sobre o tipo de fralda ou leite do bebê, as mulheres precisam se preocupar em ser uma mãe generosa, não com dinheiro, mas com afeto e ideias, com criatividade e paciência, com companheirismo. Ser mãe, a partir do momento que o serzinho sai da barriga, não é ser nada como os cartões bonitinhos pregam por aí. Ser mãe é aprender todo dia a ser a melhor pessoa possível para aquela outra pessoa que não pediu para nascer. Você optou por colocar no mundo.

Não sou mãe. E quando falo qualquer coisa sobre esse tipo de assunto, sempre levo o tradicional "espera você ser mãe para você ver"... Não precisa. Sou filha não sou? Ou só é válido o ponto de vista da mãe? Porque quando se tornou mãe a mulher recebeu uma carga "divina" de sabedoria? Porque agora ela faz parte de uma outra parcela da população feminina? Porque agora ela é melhor?

Não, né?